Visão Teológica da Carta aos Romanos – Capítulo 4
Resumo: O capítulo 4 da Carta aos Romanos é um dos trechos mais fundamentais para a compreensão da justificação pela fé. São Paulo, escrevendo aos cristãos de Roma, utiliza a figura de Abraão para demonstrar que a justificação vem da fé e não das obras da Lei. Esse capítulo é essencial na teologia católica, pois reforça a relação entre a fé e as obras na salvação, um ponto amplamente discutido na tradição cristã. A interpretação católica desse capítulo dialoga com a doutrina da graça, conforme ensinado pelo Magistério da Igreja e pelos teólogos ao longo dos séculos. Através da exegese patrística e escolástica, podemos compreender melhor a visão paulina e sua aplicação na vida cristã.
VISÃO TEOLÓGICA
3/5/20255 min read


Introdução
O capítulo 4 da Carta aos Romanos é um dos trechos mais fundamentais para a compreensão da justificação pela fé. São Paulo, escrevendo aos cristãos de Roma, utiliza a figura de Abraão para demonstrar que a justificação vem da fé e não das obras da Lei. Esse capítulo é essencial na teologia católica, pois reforça a relação entre a fé e as obras na salvação, um ponto amplamente discutido na tradição cristã.
A interpretação católica desse capítulo dialoga com a doutrina da graça, conforme ensinado pelo Magistério da Igreja e pelos teólogos ao longo dos séculos. Através da exegese patrística e escolástica, podemos compreender melhor a visão paulina e sua aplicação na vida cristã.
Análise Teológica
Abraão, Pai da Fé
São Paulo inicia o capítulo 4 questionando como Abraão foi justificado: foi pelas obras ou pela fé? Ele responde com uma citação do Antigo Testamento:
“Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça” (Rm 4,3; Gn 15,6).
Esse versículo é central para a doutrina da justificação. A Igreja ensina que a justificação é um dom da graça de Deus, recebido pela fé, mas que a fé autêntica deve ser acompanhada por obras. O Concílio de Trento afirmou que a justificação inicial ocorre sem méritos humanos, mas que a cooperação com a graça é necessária para a salvação final (cf. Decretum de Iustificatione, cap. 7).
Fé e Graça: Além das Obras da Lei
Paulo argumenta que se Abraão tivesse sido justificado pelas obras da Lei, ele teria motivo de se gloriar, mas não diante de Deus (Rm 4,2). Isso indica que a justificação não depende primariamente de ritos exteriores ou da observância legalista, mas da fé na promessa divina. No entanto, a Igreja Católica ensina que essa fé deve ser operante pelo amor (cf. Gl 5,6) e que as obras são uma resposta à graça recebida.
Santo Agostinho destaca que a fé de Abraão não era uma fé vazia, mas uma fé viva, manifestada em sua obediência a Deus. Ele explica que a graça não substitui a necessidade de boas obras, mas as torna possíveis e meritórias (De fide et operibus, 14).
Justificação para Todos, Circuncidados e Incircuncidados
Paulo enfatiza que Abraão foi justificado antes de receber a circuncisão, tornando-se assim pai tanto dos judeus como dos gentios crentes (Rm 4,9-12). Isso reforça o caráter universal da salvação, que não está restrita a um grupo étnico ou à observância de ritos mosaicos, mas aberta a todos os que creem.
São Tomás de Aquino, comentando esse trecho, explica que a circuncisão era um sinal externo de uma justiça que já existia internamente pela fé (Summa Theologiae, I-II, q. 103, a. 4). Isso ecoa a doutrina da Igreja sobre os sacramentos, que são sinais visíveis da graça invisível.
A Promessa é Pela Fé, Não Pela Lei
Paulo afirma que a promessa feita a Abraão e sua descendência não veio pela Lei, mas pela justiça da fé (Rm 4,13-17). Isso não significa que a Lei seja inútil, mas que ela não tem o poder de conceder a salvação por si mesma. A função da Lei, como ensina Santo Agostinho, é revelar o pecado e preparar os corações para a graça (Contra duas epistulas Pelagianorum, II, 2).
No contexto católico, isso esclarece que a justificação inicial ocorre pela fé e pelo batismo, mas a santificação e a perseverança na fé exigem obediência aos mandamentos e a vivência sacramental.
A Fé de Abraão e a Ressurreição de Cristo
Paulo conclui o capítulo ressaltando que Abraão creu “contra toda esperança” e que essa fé foi-lhe imputada como justiça (Rm 4,18-22). Ele relaciona essa fé com a ressurreição de Cristo, indicando que, assim como Abraão confiou na promessa de Deus, nós devemos confiar na obra redentora de Cristo (Rm 4,23-25).
O Catecismo da Igreja Católica afirma que a fé cristã se fundamenta na ressurreição de Cristo, que nos justifica e nos concede nova vida (CIC, 655). A fé de Abraão, portanto, é modelo para todos os cristãos, pois aponta para a confiança absoluta nas promessas de Deus.
Contextualização Histórica
A carta aos Romanos foi escrita por São Paulo por volta do ano 57 d.C., durante sua terceira viagem missionária. O contexto do capítulo 4 reflete a tensão entre judeus e gentios na Igreja primitiva. Muitos cristãos de origem judaica acreditavam que a observância da Lei de Moisés ainda era necessária para a justificação, enquanto Paulo ensinava que a salvação vinha pela fé em Cristo.
Os Padres da Igreja, como Santo Irineu e São João Crisóstomo, interpretaram esse capítulo como uma prova de que a Nova Aliança supera a Antiga, sem, contudo, abolir a necessidade de uma vida justa. Esse ensino foi consolidado pela Igreja ao longo dos séculos, reafirmando a importância da fé, mas sem cair no erro do sola fide, defendido por algumas correntes protestantes.
Aplicação Catequética
1. A Justificação e a Vida Cristã
O capítulo 4 de Romanos nos ensina que a justificação é um dom gratuito de Deus, mas que exige uma resposta ativa. A fé sem obras é morta (Tg 2,26), e, portanto, a fé de Abraão deve nos inspirar a confiar em Deus e agir conforme Sua vontade.
2. A Universalidade da Salvação
A salvação está aberta a todos os que creem, independentemente de sua origem. Isso nos chama a evangelizar e acolher a todos na Igreja, sem discriminação.
3. O Exemplo de Abraão
Abraão é um modelo de fé e obediência. Sua disposição de confiar em Deus nos ensina a perseverar, mesmo quando as circunstâncias parecem contrárias à promessa divina.
4. A Importância dos Sacramentos
Se a circuncisão foi sinal da fé de Abraão, os sacramentos são sinais visíveis da nossa fé. O batismo nos justifica e a Eucaristia nos fortalece na caminhada cristã.
Conclusão
O capítulo 4 de Romanos é um testemunho da primazia da fé na justificação, mas também um chamado à fidelidade e à vida de santidade. São Paulo nos mostra que a justificação não é apenas um evento isolado, mas um processo de crescimento na graça.
Como ensina São João Paulo II:
“A fé de Abraão ilumina a nossa jornada: crer é entregar-se a Deus e viver em conformidade com a Sua vontade” (Redemptoris Mater, 14).
Assim como Abraão creu e foi justificado, somos chamados a confiar em Cristo, viver sua Palavra e perseverar na fé até o fim.
